setembro 09, 2008

DEUS DO CRISTO PRETO

Por PC Mapengo


Esta não é história da religião. É uma constante procura de um espaço por onde se identificar. Uma luta pela personalidade própria renunciando as assimilações. Melhor seria dizer que esta é a história de um louco que pensava ser Cristo, senão de um Cristo que enlouqueceu por não se crer nele. Uma ténue fronteira entre a loucura e a lucidez.

- Porquê rezais, ó irmãos negros? Porque expondes a vossa ingente e tenebrosa miséria ao vento? Pensais que há Deus para ouvir as vossas preces de fome? O Céu é mais longe do que julgais, para a África. Despertai, ó almas dormentes e cegas. Abri essa vista aberta.

Podia ser este um extracto de revolta se o autor deste monólogo não fosse Dom Midó das Dores. Estrear com um livro que se chama A Bíblia dos Pretos, mais do que expressar a revolta seria correr contra as convenções. Ir para além do moralmente permitido e mexer com os dogmas.

Génese

O começo, é de não ser elegantemente correcto, para iniciar o livro:

O Cristo Negro sacou o sexo das calças e urinou enfrente da multidão que saía da igreja… – Começa por despir a claridade da pele de Cristo que mesmo não se assumindo exactamente Jesus, não renuncia ao título de filho de Deus. Começa também aqui, a reivindicação que o livro faz aos espaços que os africanos deveriam ocupar na esfera global.

Questionar porquê rezais, ó irmãos negros, é dançar sobre a história e rejeitar a bíblia oferecida no lugar das terras férteis como defenderam os libertadores africanos. Para o personagem a oração não soluciona os problemas deste continente. Ajoelhar-se e fazer preces a Deus é lançar palavras ao vento porque céu é mais longe do que julgais para a África.



Apocalipse literária

Não sendo uma autobiografia, A Bíblia dos Pretos revela os detalhes do seu autor. Ele não consegue se despir da frontalidade com que olha e diz as coisas. Não podia existir uma melhor caracterização que a do seu editor António Cabrita, na revista brasileira Magma: aguerrido polemista.

Teria provado o estatuto de aguerrido polemista quando abalou a paz dos escritores moçambicanos, passando o certidão de óbito à literatura nacional. Aplaudido pelos irreverentes, principalmente jovens escritores e jornalistas, em busca de espaço, foi vítima de ataques dos mais velhos, que não queriam nunca que os seus fatos se enchessem de pó nessa discussão. No lugar de baixar a cabeça ao jeito de um menino arrependido, como rapaz criado nas barras do Limpopo, cerrou os punhos e convidou os seus adversários para a luta porque tinha uma certeza: num país onde a palavra de ordem é resgatar a auto estima, o panorama literário é vergonhoso e nauseabundo, teria comentado uma vez.

Auto estima é uma das suas principais características.

Mediocridade literária

Não se deixa levar por palavras mansas para ir contra os seus princípios. É nesta base que a literatura seria muito mais que um exercício de colocar palavras sobre o papel. Aliás, foi nesta visão que assassinou a literatura moçambicana porque no seu entender os escritores deviam deixar de se apresentar como tal simplesmente porque escrevem e passarem a ser, no verdadeiro sentido do termo um papel social porque, ser escritor é mergulhar, como diz a canção, para além do horizonte.

Concebo a arte e a literatura em particular como uma força de transformação da realidade social a partir da interioridade de cada um. Mas para que tal aconteça é preciso que se dê um salto qualitativo da literatura medíocre que praticamos em Moçambique, para uma literatura que reflecte a revolta permanente do escritor perante a vida indigna que esta sociedade leva. O pendão de arte para mim é a liberdade e a revolta. O Escritor Francês Alberto Camus sentenciou esse facto ao referir que a arte mais livre e mais revoltada é a mais clássica.

O clássico também está em não se prender em estilos ou em temas. Não sei ao certo porquê que escrevo, mas penso que há uma miscelânea de razões, há uma inquietação que deixa um certo vazio na alma da inutilidade da vida sem a literatura, há um determinado prazer e uma dor profunda que acompanham, que geram a criação literária; quanto ao género de coisas, escrevo tudo, porque em literatura tudo está em tudo. A poesia está em prosa e vice-versa.

Profanação

A Bíblia dos Pretos é a mistura de reivindicação de espaços por um grupo. O enaltecimento do negro supera a ideia de raça, que é completamente descartada. É mais um esforço de presença que sustenta a tese de que se pode ser igual sendo-se diferente. Também se anula o anti-cristianismo que se lhe pode imputar, não simplesmente pelo seu autor vir de uma base religiosa cristã, mas porque retira o sentido religioso deste Cristo para espreitar as fronteiras entre o permitido e o proibido.

A Bíblia dos Pretos, que sai com o carimbo da Indico, é um livro de reivindicação de um lugar num mundo em que os fracos não têm espaço.

Será que a África é perto do Céu?

Entre rezar e ler o livro se encontra a resposta.

O QUE OS HOMENS PENSAM?


O que os homens pensam?


Por PC Mapengo


O que os homens guardam em segredo? Ou quais são as inconfidências dos homens? O título do filme o que as mulheres pensam, podia ser transladado para este livro da Rosa Langa como o que os homens pensam. Ela se atira aos machos para satisfazer as suas curiosidades. Ou é curiosidade das mulheres? A pergunta, baseada em alguns temas levantados como o que os homens sentem quando perdem a virgindade, podia ser o que os homens sentem? Falamos de uma obra que começa com o sonho de se voltar ao socialismo e desliza por assuntos sobre a traição, prostituição e fama.


Teria sido propositado começar o livro com uma entrevista ao Marcelino dos Santos e trazer uma foto em que o velho socialista está com Joaquim Chissano? Uma espécie de entrevista com a história não pode ser vista como obra do acaso. Aliás Rosa Langa não faz nada por acaso.

As Inconfidências Dos Homens, mostra essa sua vertente provocadora que procura deixar claro que os homens guardam segredos que para os descobrir só ao escopro e, por vezes, martelo. Mas essa é a natureza dos homens e mulheres.


Mesmo depois do livro sair da gráfica o lado provocador da jornalista se estendeu para o programa de Emílio Manhique na Rádio Moçambique: é difícil perceber os homens. Mesmo não sendo original, a frase soa a diferente por ter sido séculos uma propriedade machista perante a eterna confrontação homem vs mulher.


SONHO SOCIALISTA DO POETA

Falava do começo.

As Inconfidências Dos Homens, é uma obra sobre algumas das personalidades masculinas que contribuíram, de um jeito qualquer, para a identidade cultural moçambicana, o que Nelson Saúte chamaria de habitantes da memória. Abrir com Marcelino dos Santos vai para além de uma simples provocação ao leitor para descobrir os segredos que os homens não contam. E a segunda pergunta mostra o tipo de entrevista que a jornalista se preparara para ter com o velho Kalungano:

-Poeta Kalungano, ainda é poeta? Se fosse a uma outra pessoa esta pergunta da Rosa Langa seria descabida. Porquê perguntar a um poeta se ainda é poeta? Nos leva a uma viagem pelo pensamento e pela história para além do óbvio. O que é necessário para se ser poeta? O que faz de poeta um poeta? O que nos dá esse estatuto? O melhor é marcar mil golos como Pelé ou marcar um golo como Pelé? Perguntaria o poeta Carlos Drummond de Andrade.

Voltamos ao tempo da liberdade. A poesia era mais de que uma necessidade romântica para amolecer a alma da pessoa amada. Era uma arma letal e os que a exibiam descaradamente pelas ruas colónias tinham direito a PID/DGS nas costas e um confinamento nos calabouços até mesmo uma conversa violenta com o temido Chico Feio.

- Poeta Kalungano, ainda é poeta?

A resposta não podia ser mais… clara.

-Sim, felizmente.

Mas o próximo livro, esse… Sei lá…

Dizer sei lá nos retorna aos segredos, às inconfidências. O tempo esse que faça o que quiser porque o poeta revolucionário ainda tem outros planos:

-Último desejo, camarada Marcelino… - convida Rosa Langa

- Construir o socialismo em Moçambique. – Responde Marcelino.

Neste ponto voltamos ao princípio:

- Poeta Kalungano, ainda é poeta?

Ainda é poeta sim, o seu livro pode sair a qualquer altura mas o importante é … reinventar os caminhos para o socialismo.


REGRESSO CANCELADO

A outra entrevista pode aparecer agora como uma grande homenagem a um dos maiores nomes da música da zona austral: Gito Baloi.

A conversa entre Rosa Langa e Gito aconteceu nove dias antes do músico ser assassinado nas ruas de Johanesburgo, Africa do Sul. Foi uma entrevista de esperança em voltar a terra.

O artista foge a ideia de fama, mesmo sendo um dos nomes que brilhavam nos palcos sul-africano mas não queria assumir esse estatuto:

- A fama não é comigo, mas acho divertido e interessante quando noto que consigo arrastar multidões, isso dá-me prazer e mais inspiração de viver, fazendo coisas boas para os meus fãs e o meu povo de Moçambique.

Este trecho traz a ideia do que foi a conversa com Gito Baloi, um músico que esperava um dia voltar para partir de Moçambique e conquistar o mundo. No entanto a sua história não lembra a nenhuma de amor em que vivem felizes para sempre.

Se a com versa com Gito, lida hoje soa-nos a nostalgia por quem soube cantar na ku randza wena wansati wa ku xonga, algo como te amo mulher linda… escrevíamos que se esta nos leva a nostalgia, as outras nos despertam.


CIRCUNCISÃO

Entra para perguntas um quanto ousadas como a que faz a Stewart Sukuma:

- Tenho quase certeza de que estás lembrado quando é que perdeste a virginidade…

Ou a que faz quase invariavelmente a tantos outros artistas apresentados neste As Inconfidências dos Homens: Fizeste circuncisão?

Stwart é a primeira vítima, mas seguem-se outros como o músico português Rui Veloso:

-Não, não fiz circuncisão.

Depois seguem-se outros que são brindados por perguntas sobre intimidades. Podemos desvendar esta confidência de Chico António:

Com as prostitutas foi antes do meu casamento. Que fique bem claro.

Este livro pode ser visto como um baú de segredos onde arqueologicamente a jornalista Rosa langa vai nos desvendando os tesouros sagrados e… proibidos.


O QUE ELES PENSAM

Esquecer-se do convencionalmente correcto e se expor perante estes homens é a melhor aventura desta mulher que o jornalista Belmiro Adamugy saberia melhor a caracterizar:

“Rosa Langa, mulher pequena de estatura mas grande na alma”. É assim que fascina os seus convidados que faz questão de dizer logo: são todos eles meus amigos. E ao longo de livro se descobre essa camaradagem descomplexada com cada um deles. Como se fosse um encontro na mesa do bar ou, já que ela não bebe, numa sala para chá.

A melhor maneira de se saber o que os homens pensam ou sentem é folhear o segundo livro, depois de Moçambique, Mulher e Vida, da jornalista moçambicana Rosa Langa, natural de Chibuto, Gaza.

Pode se descobrir diferentes estrelas. Podemos enumerar?

Não, são muitos. Entre eles aparecem Carlos Lhongo, Bonga (de Angola), Victor José, Alexandre langa, Noel Langa, Ricardo Rangel, José Craveirinha, Francisco Mahecuane, David Abílio…

O prefácio é assinado por Mateus Katupha, antigo ministro da Cultura, Juventude e Desportos.

Legenda

1- Marcelino dos Santos: quero construir o socialismo em Moçambique

2- Gito Baloi: acabou o show e o regresso foi cancelado

3- Rui Veloso: não fiz circuncisão

setembro 08, 2008

2ª EDIÇÃO DA REVISTA ÁFRICA E AFRICANIDADES


MURMÚRIOS E SONÂMBULISMO EM TERRAS MOÇAMBICANAS

Os romances A costa dos Murmúrios, da portuguesa Lídia Jorge, e Terra Sonâmbula do moçambicano Mia Couto são objetos de comparação da pesquisadora Josilene Silva Campos.


A PINTURA DE MALANGATANA VALENTE

Denuncia do dilaceramento da cultura moçambicana durante o jugo colonial e, posteriormente, na guerra fratricida no período do pós-independência é resgatada por Ricardo Silva Ramos de Souza, nas obras do pintor moçambicano Malangatana Valente.


ALGUNS VÔOS EM O ÚLTIMO VOO DO FLAMINGO

Obra do moçambicano Mia Couto é analisada por Letícia Pereira de Andrade, sob a perspectiva das teorias da narrativa na contemporaneidade.

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A revista receberá artigos para a 3ª edição até o dia 15 de outubro. As normas para publicação estão em http://www.africaeafricanidades.com/Normas-Para-Publica%E7%E3o.html