Por PC Mapengo
Esta não é história da religião. É uma constante procura de um espaço por onde se identificar. Uma luta pela personalidade própria renunciando as assimilações. Melhor seria dizer que esta é a história de um louco que pensava ser Cristo, senão de um Cristo que enlouqueceu por não se crer nele. Uma ténue fronteira entre a loucura e a lucidez.
- Porquê rezais, ó irmãos negros? Porque expondes a vossa ingente e tenebrosa miséria ao vento? Pensais que há Deus para ouvir as vossas preces de fome? O Céu é mais longe do que julgais, para a África. Despertai, ó almas dormentes e cegas. Abri essa vista aberta.
Podia ser este um extracto de revolta se o autor deste monólogo não fosse Dom Midó das Dores. Estrear com um livro que se chama A Bíblia dos Pretos, mais do que expressar a revolta seria correr contra as convenções. Ir para além do moralmente permitido e mexer com os dogmas.
Génese
O começo, é de não ser elegantemente correcto, para iniciar o livro:
O Cristo Negro sacou o sexo das calças e urinou enfrente da multidão que saía da igreja… – Começa por despir a claridade da pele de Cristo que mesmo não se assumindo exactamente Jesus, não renuncia ao título de filho de Deus. Começa também aqui, a reivindicação que o livro faz aos espaços que os africanos deveriam ocupar na esfera global.
Questionar porquê rezais, ó irmãos negros, é dançar sobre a história e rejeitar a bíblia oferecida no lugar das terras férteis como defenderam os libertadores africanos. Para o personagem a oração não soluciona os problemas deste continente. Ajoelhar-se e fazer preces a Deus é lançar palavras ao vento porque céu é mais longe do que julgais para a África.
Apocalipse literária
Não sendo uma autobiografia, A Bíblia dos Pretos revela os detalhes do seu autor. Ele não consegue se despir da frontalidade com que olha e diz as coisas. Não podia existir uma melhor caracterização que a do seu editor António Cabrita, na revista brasileira Magma: aguerrido polemista.
Teria provado o estatuto de aguerrido polemista quando abalou a paz dos escritores moçambicanos, passando o certidão de óbito à literatura nacional. Aplaudido pelos irreverentes, principalmente jovens escritores e jornalistas, em busca de espaço, foi vítima de ataques dos mais velhos, que não queriam nunca que os seus fatos se enchessem de pó nessa discussão. No lugar de baixar a cabeça ao jeito de um menino arrependido, como rapaz criado nas barras do Limpopo, cerrou os punhos e convidou os seus adversários para a luta porque tinha uma certeza: num país onde a palavra de ordem é resgatar a auto estima, o panorama literário é vergonhoso e nauseabundo, teria comentado uma vez.
Auto estima é uma das suas principais características.
Mediocridade literária
Não se deixa levar por palavras mansas para ir contra os seus princípios. É nesta base que a literatura seria muito mais que um exercício de colocar palavras sobre o papel. Aliás, foi nesta visão que assassinou a literatura moçambicana porque no seu entender os escritores deviam deixar de se apresentar como tal simplesmente porque escrevem e passarem a ser, no verdadeiro sentido do termo um papel social porque, ser escritor é mergulhar, como diz a canção, para além do horizonte.
Concebo a arte e a literatura em particular como uma força de transformação da realidade social a partir da interioridade de cada um. Mas para que tal aconteça é preciso que se dê um salto qualitativo da literatura medíocre que praticamos em Moçambique, para uma literatura que reflecte a revolta permanente do escritor perante a vida indigna que esta sociedade leva. O pendão de arte para mim é a liberdade e a revolta. O Escritor Francês Alberto Camus sentenciou esse facto ao referir que a arte mais livre e mais revoltada é a mais clássica.
O clássico também está em não se prender em estilos ou
Profanação
A Bíblia dos Pretos é a mistura de reivindicação de espaços por um grupo. O enaltecimento do negro supera a ideia de raça, que é completamente descartada. É mais um esforço de presença que sustenta a tese de que se pode ser igual sendo-se diferente. Também se anula o anti-cristianismo que se lhe pode imputar, não simplesmente pelo seu autor vir de uma base religiosa cristã, mas porque retira o sentido religioso deste Cristo para espreitar as fronteiras entre o permitido e o proibido.
A Bíblia dos Pretos, que sai com o carimbo da Indico, é um livro de reivindicação de um lugar num mundo em que os fracos não têm espaço.
Será que a África é perto do Céu?
Entre rezar e ler o livro se encontra a resposta.
3 comentários:
A crítica do Mapengo é arrebatadora. Já quero ler o livro. Agoooora ;)
Eish, mano, ha perdera, ne...
Beijocas
Tens razão mana,
Nas ferias vamos guevar novidades da terra e levar connosco...
bjs
Epa, nem tas a ver... Nem sei quando eh que serao as minhas ferias...
Sala ha hombe
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